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As arengas criminosas e as blasfêmias não respeitam pessoas, instituições do Estado nem algumas religiões e credos.

Antes de ser guilhotinada, Manon Roland afirmou: “Oh, liberdade, quantos crimes se cometem em seu nome!”. Eu me permito perguntar: segurança, quantos crimes e barbaridades têm você como pretexto, desculpa e até aplausos? Até quando se vão matar inocentes ou culpados, não importa. Não se pode matar. Só se pode matar em legítima defesa, circunstância prevista em lei e que justifica a conduta. No entanto, mata-se porque se quer matar. Invade-se uma comunidade, tiros são disparados sem que outros tiros tenham sido desferidos. E as balas atingem não só os alvos desejados, como quem está nas ruas, ou em casa, ou num bar, numa loja, dentro de um carro, seja lá onde for, as balas alcançam qualquer um. Dizem que são balas perdidas. E daí? É pior, pois isso demonstra que as armas foram acionadas a esmo. O atirador assume o risco consciente de matar quantos forem alcançados por seus projéteis. Ele aciona sua arma sabendo que ela poderá ser letal para qualquer um. Isso não o preocupa.

Deve-se ter presente um pensamento do Prêmio Nobel Aleksandr Soljenítsin no sentido de que a violência está sempre acompanhada da mentira. Com efeito, inverdades e invencionices servem para justificar os abusos e inverter as responsabilidades. As vítimas se tornam culpadas.

Aliás, a violência desmotivada, desnecessária, criminosa tem como elemento propulsor um discurso oficial que estimula, incentiva e autoriza a barbárie assassina contra a sociedade. O que desencadeia a conduta predatória dos chamados agentes da lei, que, na verdade, agem contra ela? A luta contra o crime? Sim, admitamos que seja. Mas como e por que as mortes entram nesse combate? A única forma de atacar o crime é matar o criminoso, o suspeito ou o inocente?

Há algumas situações que justificam a ação repressiva, mesmo que eventualmente se ponha em risco a integridade física de terceiros, como, por exemplo, nos casos de trocas de tiros, agressões contra pessoas ou contra a própria polícia, intervenção no curso da prática de um crime, e algumas outras.

Mas como explicar a mortandade quando não há violência desencadeada? Chegar aos locais atirando; executar pessoas depois de já imobilizadas, como ocorreu na comunidade do Fallet, no Rio de Janeiro; partir da mera suposição de que irão atirar contra a polícia e antecipar os disparos, tal qual fizeram no Jacarezinho e na Vila Cruzeiro, constituem ações que não podem ser denominadas de “operações policiais”. Não, isso é chacina, assassinato em massa, crime contra a humanidade.

E mais: não se pense que a barbárie é cometida apenas contra grupos, com o receio de seus integrantes atirarem primeiro. Não, está-se matando no atacado e no varejo. Não faz muito tempo, matou-se alguém num supermercado sufocando-o. Recentemente, no Estado de Sergipe, asfixiou-se um detido já imobilizado dentro de uma viatura, atirando gases dentro do veículo. Há anos houve dois episódios que muito me marcaram em São Paulo. Um motoqueiro, desarmado, foi morto pelas costas porque não parou quando instado a tal. E um casal de velhos japoneses feirantes que foram executados pois também seguiram com sua Kombi, sem perceber que havia uma barreira policial. A memória não ajuda, mas posso afirmar que foram centenas os casos de mortes individuais ou coletivas provocadas por desastrosas ações policiais.

Aliás, crueldades também são cometidas por não policiais. Violências são registradas tendo como autores membros de seguranças privadas.

A violência igualmente está instalada no seio da sociedade, especialmente contra a legião dos desamparados e desvalidos. Até incêndios em corpos vez ou outra são noticiados. Os conflitos provocados pelas diversidades de origem social, cor da pele e opções sexuais vitimam com frequência pobres, negros, indígenas, homossexuais. Somam-se a esse rol as atrocidades contra crianças e mulheres.

A intolerância que é geradora do ódio, atualmente, permeia o relacionamento pessoal. Manifestações antagônicas não mais são marcadas pela compreensão, pela tolerância e pela educação. Na verdade, este autoritarismo de ideias representa a negação da própria democracia e da liberdade de pensamento. Haverá respeito desde que a opinião alheia coincida com a minha.

Os estímulos à violência são constantes e insistentes, divulgados, basicamente, pela palavra falada, tendo como arautos autoridades que num plano hierárquico influenciam os incautos e desavisados. Em regra, seus discursos pregam a discórdia e fazem apologia do povo armado. Mentiras, invencionices, bravatas, vulgarização da linguagem, falas impensadas – e, quando pensadas, mal pensadas – estão sensibilizando obtusos e fanáticos seguidores. As arengas criminosas e as blasfêmias não respeitam pessoas, instituições do Estado nem algumas religiões e credos, inclusive o papa e os defensores dos direitos humanos foram alvos de infâmias.

É imprescindível que incorporemos e divulguemos os valores da civilidade e do humanismo para não nos transformarmos numa sociedade, já injusta e desigual, estigmatizada pelo ódio que inviabiliza a pacífica e harmônica relação entre os homens.

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Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
O Estado de S. Paulo
30 de junho de 2022 | 03h00

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