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Por Sérgio Alvarenga

Ainda que seja a letra da lei (Lei 12.850/13), a utilização acrítica das expressões “colaboração premiada” e “colaborador”, hoje tão frequentes no dia a dia forense, merece reflexão.

Com todo respeito ao legislador, a escolha dos termos foi infeliz. Tais expressões são imprecisas. Tais expressões transmitem conclusões equivocadas. Tais expressões induzem o receptor desatento a erros de avaliação.

Ora, a palavra “colaboração”, sinônimo de “ajuda”, “prestimosidade”, até de “solidariedade”, traz embutida uma aura de pureza, candura, sinceridade. Quem “colabora” com a Justiça deve ser um benfeitor!

Colaborador” é sinônimo de “auxiliar”, “parceiro”, até de “cúmplice”. Enfim, em uma análise descontextualizada, um “sócio” da Justiça!

Assim, de tanto ouvir e repetir, o usuário distraído poderá acabar por, talvez até inconscientemente, emprestar às declarações do “colaborador” uma credibilidade que nem sempre – ou melhor, quase nunca! – é justificável.

Com raríssimas exceções, não é o arrependimento; ou um incontornável sentimento de culpa; ou um desejo de expiação dos pecados, que move o “colaborador”. Muito longe disso. A regra geral é alcaguetar terceiros com o nítido – e humano, claro! – escopo de receber benesses processuais.

Parece ser indiscutível que diante da possibilidade de passar menos dias no cárcere, o colaborador não se constrangerá em prejudicar antigos parceiros de vida criminosa, ainda que, para tanto, tenha que se desviar da verdade.

Até porque, não nos esqueçamos, cuida-se de um réu confesso. Alguém que já admitiu ter cometido crimes. Alguém que, diante de evidências incontestáveis, apanhado com a mão na massa, assumiu práticas delituosas graves. Por que agora iria se acanhar em mentir?

Com base em exemplos tão rotineiros nos nossos jornais, pergunta-se: Pra quem passou anos corrompendo o Poder Público, ou sendo corrompido, que freio moral, subitamente, como num passe de mágica, o impedirá de lesar outras pessoas?

É por isso que, dessa vez sabiamente, o legislador tratou a “colaboração” como meio de prova. Instrumento para se alcançar provas. Uma via. Um caminho. Não a prova em si.

De qualquer forma, se como diz o dito popular “o uso do cachimbo entorta a boca”, parece ser mais prudente, no lugar de “colaborador”, valer-se da locução “réu confesso processualmente beneficiado por dedurar alegados parceiros de crime”; ou variantes com a mesma essência. É mais condizente com a realidade. E não entorta a boca.

O “réu confesso” pode até estar falando a verdade, é claro. Mas é preciso cautela.

Devagar com o andor. O santo, aí, é de barro. Ou, para emendar outro dito popular, o santo, aí, é do pau oco.

Ou quebra fácil, ou tem finalidades menos nobres.