Artigos & Publicações

Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira


Todos estamos estupefatos, desejando agir, mas sem saber bem o que fazer.

Anomia e distopia são dois fenômenos que nos assombram atualmente. Ambos conduzem à desordem social e à desordem institucional.

Elas são os reflexos de uma pauta negativista e predatória, imposta pelo governo e lastreada pela intolerância raivosa; pela apologia do uso de armas; pela insensibilidade em relação ao meio ambiente e à própria vida humana; pelo estímulo às aglomerações, dentre outros fatores.

A agenda e o discurso oficiais não apresentam nenhum viés construtivo. Representam a antítese da utopia e da organização social; portanto, mostram um risco real de distopia e anomia.

A distopia como sinônimo de um mau lugar para se viver. Em nosso país, ela tem como origem o autoritarismo de um governo despótico que tenta impor um modelo de comportamento carente de liberdade de pensar e de agir e de um padrão moral retrógrado e estático.

Já a anomia se caracteriza pela ausência ou pelo descumprimento das normas. Assiste-se hoje a uma rebeldia institucional, com o Executivo em permanente confronto com os outros Poderes, com a legislação ordinária e com a própria Constituição Federal. Tivemos, recentemente, uma violação até então inconcebível do rígido ordenamento militar. Não se puniu quem deveria tê-lo sido. Dupla desobediência. A individual, de um general que participou de ato político, e a da instituição, que não o puniu.

Há na literatura obras que refletem esses dois fenômenos, tais como: “Laranja Mecânica” e “Fahrenheit 451”. Poder-se-ia dizer que tais livros se inspiraram na realidade brasileira, caso não a tivessem precedido.

Anthony Burgess, na primeira, mostra como o governo enfrenta a violência que campeia por meio da própria violência de Estado.

Inexistência de diálogo, aversão à conciliação e incentivo a raivosas manifestações contra instituições, dentre outras, constituem marcas de uma gestão insensível às demandas de harmonia social, de supressão de nossas carências e satisfação de nossas necessidades.

Na segunda obra citada, o seu autor, Ray Bradbury, descreve a destruição da cultura por meio da queima de livros. Ora, o nosso governo subestima os nossos valores culturais, desconsidera a criação artística e intelectual e despreza a educação.

Todos nós estamos estupefatos, desejando agir; no entanto, sem saber bem o que fazer. A incerteza e a insegurança, em face das ameaças reais à democracia, à paz e à saúde, também estão presentes.

A pandemia será vencida, embora com atraso e elevados danos resultantes da ignorância e da inércia oficiais. Mas e o desgoverno? Ao que parece, por ora, nada acontecerá. Depois teremos eleições. Aí, sim, poderemos sobreviver como nação. Não se esqueçam, porém, do que ele disse: “Só Deus me tira da cadeira presidencial”. Pergunta-se: nem o voto?

Resta-nos tentar estancar os avanços da anomia e da distopia e, posteriormente, resistir à eventual investida continuísta. Vale perseguir a utopia para alcançar o sonho e mudar a realidade.

—–

Artigo publicado originalmente em Folha de S. Paulo.

Publicações Recentes: