Por Bruno Lupion
Para professor Aníbal Pérez-Liñán, uso do instrumento para punir governo fraco pode transformá-lo em ‘arma’ de qualquer maioria circunstancial. ‘Suspeito que o Brasil verá novas eleições em breve’, afirma
Aníbal Pérez-Liñán, argentino radicado nos Estados Unidos, professor de ciência política da Universidade de Pittsburgh, é especialista em impeachments ocorridos na América Latina. Observador da crise brasileira, diz que o Congresso deve ser “prudente” ao lidar com o mecanismo, sob risco de criar ciclos de instabilidade política.
Em entrevista ao Nexo, ele recorre a uma analogia com o conto de Aladim e o gênio da lâmpada para ilustrar o potencial desestabilizador do instituto. “O PMDB libertou o gênio do impeachment da lâmpada constitucional, e o gênio não será fácil de controlar”, diz.
O mecanismo, afirma, é útil para superar crises quando está evidente que o presidente cometeu crimes relevantes, mas é arriscado quando se torna um caminho para punir governos fracos, imitando o voto de desconfiança do parlamentarismo. Nesse cenário, o impeachment “se transforma em uma arma política disponível para qualquer maioria circunstancial [no Legislativo]”.
A falha do governo que expôs Dilma a esse risco é o esfacelamento de sua base de sustentação. Pérez-Liñán observa que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva conseguiram articular coalizões efetivas no Congresso, ao contrário da petista, que perdeu seu “escudo legislativo”. “Se Dilma tivesse negociado a tempo para manter a lealdade da coalizão, ela estaria protegida da tempestade”, diz.
Para ele, chamar o processo de “golpe”, como Dilma e seus apoiadores vêm fazendo, não ajuda o Brasil a sair da crise e apenas “aumenta a confusão” em uma sociedade já polarizada.
Pérez-Liñán é autor do livro “Impeachment presidencial e a nova instabilidade política na América Latina”, obra de referência entre politólogos.
Em sua tese, ele identifica quatro fatores necessários para deflagrar um impeachment. Eles foram identificados nos sete impedimentos de presidentes eleitos ocorridos na América Latina de 1992 a 2015:
- crise econômica
- grande escândalo de corrupção
- mobilização de massas
- falta de apoio no Congresso
Abaixo, a entrevista concedida por e-mail ao Nexo.
Como o sr. chegou à conclusão dos quatro aspectos necessários para que haja um impeachment?
Aníbal Pérez-Liñán Essas condições foram fatores comuns por trás das crises que antecederam o impeachment dos presidentes Fernando Collor e Carlos Andrés Pérez (na Venezuela) no início da década de 1990. Condições similares estiveram presentes em crises mais recentes, apesar de o contexto específico ter variado em cada caso. Entre 1992 e 2015, sete presidentes democraticamente eleitos na América Latina sofreram impeachment. Além de Collor e Pérez, houve Abdalá Bucaram (1997) e Lucio Gutiérrez (2005) no Equador , Raúl Cubas Grau (1999) e Fernando Lugo (2012) no Paraguai, e Otto Pérez Molina na Guatemala (2015).
Estes quatro aspectos estão presentes no Brasil hoje. Eles são suficientes para impedir Dilma?
Aníbal Pérez-Liñán Dilma está enfrentando a “tempestade perfeita”: uma economia em recessão, um escândalo de corrupção que, mesmo que não a envolva diretamente, mina a credibilidade do seu governo, a mobilização de vastos setores da classe média contra sua gestão e um Congresso que a abandonou. O rompimento da coalizão é a parte mais surpreendente para mim. Até agora, os presidentes brasileiros desde FHC conseguiram articular coalizões de sucesso no Congresso. Se Dilma tivesse negociado a tempo para manter a lealdade da coalizão, ela estaria protegida da tempestade. Mas ela perdeu seu escudo legislativo, e agora está exposta às manobras de seus antigos aliados.
Dilma e seus defensores argumentam que ela não cometeu nenhum “crime de responsabilidade”, pressuposto legal para impedir um presidente. Até que ponto esse argumento é eficaz para evitar o impeachment?
Aníbal Pérez-Liñán Este é o principal problema com o impeachment: uma vez que a opinião pública se volta contra o governo e o Congresso quer remover o presidente, é relativamente fácil para os acusadores interpretarem a lei de uma forma conveniente. Isso joga o problema da interpretação legal para o Supremo Tribunal Federal, mas o Judiciário não quer ficar refém da disputa política. Chamar esse processo de “golpe” não ajuda, apenas aumenta a confusão em uma sociedade já polarizada.
O impeachment é um procedimento tão político quanto jurídico. O seu nome em espanhol, “juízo político”, é revelador. Por esse motivo, o Congresso precisa ser muito prudente quando considera um impeachment. O uso irresponsável desse instituto cria ciclos de instabilidade política, como vimos no Equador e no Paraguai nas últimas décadas.
O presidente da Câmara e o do Senado são acusados e investigados pela Lava Jato, respectivamente. Ambos são filiados ao PMDB, o partido do vice-presidente Michel Temer. Como isso pode afetar o resultado do processo de impeachment?
Aníbal Pérez-Liñán O PMDB libertou o gênio do impeachment da lâmpada constitucional, e o gênio não será fácil de controlar. É difícil imaginar que a instabilidade acabará com o afastamento de Dilma. Quando um presidente é acusado de um crime extraordinário, seu impeachment pode recolocar o processo político na normalidade. Mas, quando o impeachment é utilizado para punir má governança, ele se transforma em uma arma política disponível para qualquer maioria circunstancial, similar ao voto de desconfiança do sistema parlamentarista.
A crise econômica não irá embora logo, e os brasileiros permanecerão insatisfeitos. Os líderes do PMDB estão envolvidos em escândalos de corrupção. E, desde que as pedaladas se tornaram motivo legal para um impeachment, nenhum chefe do poder Executivo está seguro no Brasil: governadores, prefeitos, todos estão expostos. Suspeito que o Brasil verá novas eleições em breve.
Fonte: Nexo Jornal