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Eu joguei com Pelé

Conheci Pelé. Ocupei-me da defesa de seu filho Edinho e por esta razão estivemos juntos algumas vezes.

Quem conviveu com ele e pode conhecer aspectos de sua personalidade faz uma necessária distinção entre o Pelé e o Edson.

Como ele mesmo disse em uma entrevista reproduzida em amplo noticiário a seu respeito, o Pelé é Rei, o Edson carrega qualidades e defeitos tal como os demais seres humanos. Eu pude testemunhar essa dualidade. Para se fazer justiça a ambos é preciso que se faça a distinção.

No entanto, nesse singelo escrito quero apenas narrar uma experiência com o majestático futebolista.

Antes, no entanto, assinalo que como espectador de futebol tive a ventura de vê-lo jogar. Duas partidas marcaram-me e se fixaram em minha memória.

Uma delas, pelos idos de sessenta e três, sessenta e quatro, no Morumbi. No time do São Paulo estreava um zagueiro, ou um então chamado centro médio, vindo do Atlético Mineiro chamado Procópio. Alto, bem apessoado, forte, dava a nítida impressão de ser senhor de si em campo, portanto de indiscutível eficiência como marcador e destruidor das jogadas dos atacantes. Além da aparência, a sua fama era mesmo de um defensor intransponível.

Mal começou a partida, lá estava ele, Pelé, ultrapassando com facilidade o que se imaginava ser uma inexpugnável barreira, o beque vindo das Minas Gerais. Não posso jurar, a memória não me permite fazê-lo, mas acho que no derradeiro lance antes de sua saída de campo, Procópio foi brindado com uma bola no meio de suas pernas.

Saiu, talvez a pretexto de uma contusão, mas saiu. Em seu lugar foi colocado um jogador chamado Vitor. Encorpado, loiro, aparência, força e brutalidade de um viking. Nada clássico, ao contrário, era um jogador que usava seu porte físico para desarmar o adversário. Por vezes agredia para desarmar.

Nesse jogo, assim que entrou, disse ao que veio. Assim, se pensou, quando por duas vezes desarmou Pelé, que seria anulado. No entanto, essa foi uma mera ilusão da enorme torcida tricolor. Até então, o jogo repleto de lances memoráveis e inúmeros gols, estava empatado três a três. Eis que o Rei resolveu jogar para valer. Num estalar de dedos colocou o Santos na frente, que terminou vencendo por seis a três. Possivelmente, eu tenha testemunhado um dos jogos mais brilhantes do craque.

Não demorou para que eu testemunhasse a vingança do São Paulo. Desta feita no Pacaembu. Assisti ao jogo literalmente pendurado em um morrinho que havia ao lado das arquibancadas. O desconforto, verdadeiro sacrifício, foi compensado pelo brilho da atuação do mais querido.

Estreava, como centro avante, um ex-santista. Pagão. Ele e seus companheiros calaram a pequena torcida do Santos, deixaram exultantes os são-paulinos e, o que foi notável e inédito, provocaram a saída de campo de todo o time praiano. Os craques foram caindo, um a um. Iam sendo retirados por alegada contusão. Atingido o número mínimo, salvo engano seis, o juiz deu a partida por encerrada. O São Paulo já vencia por quatro gols e mais seriam marcados não fosse a debandada, a estratégica fuga. Pelé estava entre os retirantes.

Certo dia fomos, meu sócio de escritório Sérgio Alvarenga e eu, encontrar Pelé em seu escritório. Falamos do caso de seu filho, para em seguida ele passar a narrar alguns episódios de sua soberba carreira.

Em determinado momento contou-nos como fizera um gol contra o Juventus, na rua Javari, considerado o mais espetacular dentre os mil e tantos que marcou.

Essa narrativa não se limitou à descrição oral. Não, ela veio acompanhada por uma coreografia. Para tanto, nós fomos colocados como protagonistas.

Sérgio e eu desempenhamos um papel fundamental na cena. Cumpriu-nos atuar como os dois aparvalhados zagueiros que foram vítimas de chapéus seguidos do “Rei” antes de vitimar por derradeiro o goleiro Mão de Onça, que não foi encenado por ninguém. Na sala estava, além de nós, apenas Celso Grellet, seu sócio e companheiro de sempre, que foi poupado.

Estava me esquecendo do principal. A jogada foi fielmente reproduzida pelo ator principal. Com uma bola imaginária ele bailou levantando a perna para os chapéus, gingando o corpo para os dribles e por fim disparando um chute fatal para eternizar um grande gol.

Vê-se, pois, que o título desse escrito não é mentiroso. Eu joguei com Pelé.

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Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Migalhas
03 de janeiro de 2023

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