A banalidade do mal é o subtítulo de uma obra de Hannah Arendt que reúne várias reportagens a respeito do julgamento do criminoso de guerra Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelo extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Após ter sido capturado em Buenos Aires, no ano de 1960, pelo serviço secreto israelense, o carrasco foi submetido a julgamento, condenado e executado em 1962.
Hannah Arendt, filósofa, escritora e jornalista, foi destacada pela revista New Yorker para acompanhar e fazer reportagens sobre o julgamento. As suas matérias foram reunidas no livro Eichmann em Jerusalém – uma reportagem sobre a banalidade do mal.
Os escritos de Hannah provocaram uma reação incandescente de seus conterrâneos, que chegaram a considerá-la persona non grata em Israel.
Hannah colocou em dúvida a legitimidade do julgamento, do tribunal e do procedimento judicial adotado. Ademais, ela chamou a atenção para os Conselhos Judaicos da Europa em razão de sua inércia diante da perseguição nazista.
No entanto, a causa principal da reação contra os seus escritos foi a análise que fez do comportamento do acusado, Eichmann, e do próprio fenômeno do mal.
O choque inicial parece ter sido provocado pela observação de que, para o nazista, as suas bárbaras ações eram o resultado apenas e tão somente do cumprimento de ordens. As suas cogitações se limitavam à obediência devida aos superiores. Os atos de crueldade e as respectivas consequências não eram por ele considerados. O mal produzido era simplesmente posto de lado, esquecido, banalizado. Algo simples, normal e corriqueiro. Era um disciplinado cumpridor de ordens, para quem os efeitos da sua cega obediência não eram de sua responsabilidade, extrapolavam os limites de sua alçada.
Pois bem, a questão do mal e a sua “sem importância” precisa voltar a ser objeto de reflexões e análises, pois hoje, no Brasil, ele está sendo praticado em várias esferas e se apresenta com formas e naturezas diversas. Os seus responsáveis, por sua vez, não são apenas homens tradicionalmente ligados ao crime, nem ele se localiza apenas nas áreas da criminalidade comum. Vale dizer, não é apenas o delinquente que impõe, por meio do crime, o mal ao corpo social.
O mal do presente está nos fazendo muito mal. Qual a sua origem, no que consiste este mal e quem o pratica?
Bem, em primeiro lugar, é preciso salientar que o mal e as questões a ele ligadas devem ser abordados sob o prisma de quem o pratica, pois a respeito dos seus efeitos não há dúvidas, eles recaem sobre todos nós.
Assistimos atualmente a um mal que gera sensações de desconforto e de intranquilidade no presente e de incerteza e medo em relação ao futuro.
Ele tem como instrumento de disseminação a palavra falada e a palavra escrita. Algumas atitudes pessoais também nos assustam. Gestos imitando armas; ameaças de agressões; crianças carregadas no colo desprotegidas, pois ambos sem máscara; cavalgadas e “motociatas”; aglomerações; aproximação irresponsável de pessoas igualmente sem máscaras provocam justo receio de que possam causar mal à saúde. E causam.
No entanto, repito, é o verbo que nos atemoriza. É a palavra o veículo do maior mal. Ela é usada de forma desabrida, impensada, sem avaliação de seu conteúdo, sem correspondência com a verdade, sem convencer e criar credibilidade, pois muitas vezes é desmentida no dia seguinte.
Entretanto, os danos já foram causados pelas falas irresponsáveis, descomprometidas com a verdade e ofensivas.
Por sua vez, os que propagam o negativismo e a destruição agem como Eichmann, não se sentem responsáveis quando repetem o que ouviram do falador-mor. Este, como legítimo representante dos boquirrotos crônicos, quando se expressa não pensa; ou, se pensa, pensa mal. Depois volta atrás, se arrepende, desdiz o que disse. Enfim, não leva a sério a sua própria opinião. Mas, infelizmente, gera consequências. Basta que se dê como exemplo a predatória influência de sua cantilena relacionada ao vírus que nos assola. Quantos não adotam nenhuma medida de proteção? Quantos não usam máscaras? Quantos tomaram remédios rejeitados pelos cientistas, mas recomendados por ele? Quantos infectaram outros por não tomarem vacina? Quantos morreram como consequência de suas arengas criminosas?
Há, também, aqueles obtusos e fanáticos seguidores que repetem cegamente as suas bravatas e invencionices. Houve quem, recentemente, ofendeu membros da Igreja Católica, inclusive o papa, chamando-os de pedófilos. Essa infâmia foi dita logo após ele haver assacado a mesma blasfêmia contra combatentes dos direitos humanos que ocuparam os respectivos cargos em governos anteriores.
Note-se, portanto, que são vários os protagonistas desse palco ou picadeiro, como queiram, de horrores. E, o pior, é que o elenco pode crescer, incorporando atores da sociedade que embora com atuação menor, também ajudam a banalizar o mal.
Devemos impedir que esse mal se propale.
Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
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Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.