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Qual a razão pela qual a sociedade brasileira deverá apagar essa conduta vil e repelente de sua história?

A Constituição federal prevê intervenções dos Poderes Executivo e Legislativo na configuração de três institutos nela consagrados que têm por escopo minimizar o rigor e as agruras do processo penal e das decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

A doutrina considera a anistia, a graça e o indulto como atos de indulgência, que extinguem a punibilidade daquele que responde a um processo ou já sofreu condenação.

O Estado renuncia ao seu direito-dever de punir.

O instituto da anistia atinge diretamente o fato delituoso e como decorrência quem o praticou. Ao contrário do indulto e da graça, que se referem aos acusados da prática criminosa e não ao fato.

A Constituição, em seu artigo 5.º, XLIII, impede a concessão de graça ou anistia para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Essa restrição constitucional se estende aos mandantes, executores e aos que não evitaram a prática delituosa, embora pudessem tê-lo feito.

O principal objetivo da anistia é a pacificação da Nação, pois possibilita o retorno de brasileiros à sua Pátria, na hipótese dos exilados, e a extinção dos processos e das condenações dos que estão sendo acusados ou para os que já foram condenados, basicamente pelo cometimento de crimes políticos.

A anistia recai sobre eventos determinados e não sobre indivíduos. Esses são beneficiados como decorrência de terem sido protagonistas desses mesmos fatos delituosos.

Passa-se uma esponja num passado de conturbação, conflitos e desassossegos. Em regra, são episódios que se prolongam no tempo, dividem a sociedade e provocam embates fraticidas que deixam marcas de demorada cicatrização. A situação política e social a ser corrigida pela anistia não se caracteriza, em regra, pela ocorrência de um só episódio. Um conjunto de acontecimentos marcam a época sobre a qual recai a anistia.

São crises institucionais de cunho ideológico que se prolongam no tempo, e que suscitam uma punição imposta pelos vencedores aos vencidos. Passado o tempo, a anistia possui o condão de recuperar a concórdia e a harmonia para o ambiente social.

Conforme nos ensina o professor Miguel Reale Júnior em seu Código Penal Comentado, o instituto foi utilizado no Brasil em várias ocasiões de abalo social e institucional desde o século 17. Beneficiou os que colaboraram com os holandeses e, após, os que participaram da revolta do Maranhão.

Ensina ainda o ilustre advogado e professor que durante os dois governos imperiais e na regência, várias sedições tiveram os seus participantes anistiados. Na República, em vários governos, o instituto foi utilizado para perdoar condutas políticas e ideológicas. Em agosto de 1979 foi editada a Lei da Anistia aos que desde 1961 teriam cometido crimes políticos. Ela permitiu a volta à Pátria de inúmeros brasileiros que estavam exilados.

Saíram do País para evitar prisões, torturas e assassinatos.

Na hipótese da anistia, agora ardorosamente perseguida por alguns segmentos, não houve nenhum processo político ou ideológico, mas sim um inconformismo eleitoral que levou os seus protagonistas à prática de vandalismos contra próprios da União.

Destruíram bens móveis, danificaram bens imóveis e cometeram toda série de selvageria, emanada apenas do inconformismo com a derrota e do ódio dela gerado.

Qual a razão que levou os insanos predadores à brutalidade e à barbárie? A malvadez pela malvadez. O ódio brotado de suas almas.

Se estivessem guiados por motivação política ideológica poderiam apenas ter ocupado os prédios como simbolismo, sem cometer atrocidades.

Mas destruíram. Por que e para quê? Ação sem causa. Quadros, relógio, móveis, estátuas, bustos destruídos. Portas e vidros quebrados e a conduta vil e abjeta de defecar no chão. Há algo que justifique essa infame conduta?

Teriam esses homens e mulheres sido impelidos a agir dessa forma por idealismo, amor à Pátria ou outro sentimento nobre que agora invocam. Não, afirmar tais intenções é um escárnio, uma caçoada, um menosprezo à inteligência do homem médio.

E querem perdoar esses predadores. Querem anistiá-los, mas não nos dizem o porquê.

Qual a razão pela qual a sociedade brasileira deverá apagar essa conduta vil e repelente de sua história?

Esse movimento de “bondade” me leva a indagar por que não anistiamos os milhares de brasileiros que estão presos há anos sem terem sido julgados? Ou as mulheres encarceradas, mães que cometeram crimes de menor gravidade? Ou, ainda, aqueles que não tiveram condições de se defender, praticantes dos chamados crimes de bagatela ou dos crimes famélicos?

Em vez de se prestar uma homenagem à selvageria por que não render tributo ao senso de justiça que nos é ínsito e corrigir, por meio do perdão, distorções desumanas do nosso caótico sistema penitenciário?

Criticam-se as penas aplicadas aos já condenados pelos atos de 8 de Janeiro. Eu concordo que elas foram exacerbadas. Para adequá-las ao melhor sentido de justiça pode-se recorrer ao instituto da comutação de penas e diminui-las.

Mas anistia, não.

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Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
30 de abril de 2025
Estadão

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