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Por Sérgio Alvarenga

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.


A suspeição de Sergio Moro sempre foi óbvia. Juiz não é animador de torcida.

Parodiando Caetano Veloso, digo que respeito muito as minhas convicções políticas. Mas ainda mais minhas convicções jurídicas.

Em tempos de transmissão ao vivo de sessões e coberturas maciças de julgamentos do Supremo Tribunal Federal, proliferam opiniões sobre decisões judiciais. Em casos rumorosos, com envolvimento de políticos e acusações de corrupção, as redes sociais ficam especialmente alvoroçadas.

Nos últimos dias, as decisões que reconheceram a incompetência do juízo de Curitiba, evolvendo o ex-presidente Lula da Silva, proferidas monocraticamente pelo ministro Edson Fachin e a decisão colegiada da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro provocaram abundante e exaltado debate popular.

Apoiadores de Lula comemoraram, claro, as decisões. Os detratores as condenaram. Mas poucos enfrentaram, imparcialmente, os aspectos jurídicos da questão. Mesmo entre os profissionais que atuam no mundo jurídico, as convicções políticas se sobrepujaram, em parte considerável, às convicções jurídicas.

Entendo que para os leigos as decisões possam parecer incompreensíveis, enigmáticas. Para os leigos.

A incompetência do juízo de Curitiba sempre foi clara. Claríssima. Nada aconteceu no Paraná. As alegadas conexões, com base nas quais se tentou justificar o deslocamento de competência, nunca se sustentaram. A verdade é que, como um polvo ávido, o juízo de Curitiba lançava seus tentáculos para alcançar todos e quaisquer casos de seu interesse, sem o menor respeito às regras processuais. O único critério era o querer daquele juízo. Como se apenas lá se fizesse justiça.

A lamentar, na verdade, que se tenha demorado tanto para que essa evidente incompetência fosse declarada pelo Poder Judiciário, apesar de precoces e insistentes alertas das defesas. Oportunidades, de fato, não faltaram. Contudo, como autômatos que agem maquinalmente, as instâncias inferiores ao Supremo deram de ombros à patente ilegalidade.

Talvez o receio de desaprovação popular tenha sido um fator. Àquela época, o então titular da vara de Curitiba era ídolo nacional. Símbolo de combate à corrupção. Ainda não se conheciam publicamente seus métodos, para ser gentil, pouco ortodoxos – o que sempre foi notório no meio restrito dos advogados que militavam em processos por ele conduzidos.

Enfim, é lógico projetar que, não houvesse esse desejo pelo protagonismo em Curitiba, os mesmos casos provavelmente já teriam sido sentenciados há tempos. Pelo juiz competente.

O assunto estaria resolvido, sem a necessidade de tanto desgaste para a credibilidade do Poder Judiciário, justamente a maior derrotada pela cobiça curitibana e a consequente letargia das instâncias que posteriormente enfrentaram o assunto.

De outro lado, a suspeição de Sergio Moro também sempre foi óbvia. Sempre solicitei aos amigos se imaginarem como partes de uma ação judicial qualquer. Poderia ser algo banal, como uma ação de indenização por danos provocados numa colisão de carros. Como eles se sentiriam descobrindo que o juiz do caso trocaria, às escondidas, mensagens sobre estratégias jurídicas com o advogado da outra parte? Estariam tranquilos? Achariam que o caso seria julgado por um juiz imparcial? Ou gostariam de uma substituição?

E não, o que se descobriu em nada se confunde com o normal contato entre partes e magistrado. Esse é feito publicamente, de forma solene e profissional. Em nada se compara com a verdadeira parceria que se desvendou existir no Paraná.

A verdade é que lições de competência e suspeição do juízo são de conhecimento de qualquer bacharel em Direito. Quase todos os profissionais que militam no contencioso muito provavelmente já fizeram arguições da mesma natureza em seus processos, independentemente da área da atuação. No entanto, vários desses operadores do Direito, apenas porque atentos ao político que foi beneficiado com as decisões, repudiaram agressivamente os resultados alcançados pelos ministros do Supremo Tribunal.

Ora, se nem nós que militamos na área defendermos o respeito ao Estado de Direito, às leis, às regras processuais, às garantias individuais, quem o fará?

Minhas convicções políticas são flexíveis, volúveis, adaptáveis. Variam com o tempo. Condicionam-se a preferências do momento. Às vezes, são vergonhosamente manipuladas por discursos bonitos e cativantes. Não raramente, depois me arrependo das minhas escolhas. Ao contrário do time de futebol de coração, na política é, sim, permitido mudar de lado.

Minhas convicções jurídicas, ao contrário, são sólidas. Frutos de aprendizado na faculdade e quase três décadas de exercício profissional. Sempre as preferirei.

E estou convicto de que regras acerca da suspeição do juiz e competência processual devem sempre ser respeitadas. Ainda que tenham consequências desagradáveis. Juiz não é animador de torcida.

Tomara as decisões judiciais técnicas, ainda que impopulares, ponham, como vaca profana da vez, “seus cornos pra fora e acima da manada”!