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A delação é útil e importante. Ajuda na elucidação de alguns casos. Mas é preciso prudência na sua utilização.

Talvez inconscientemente, o legislador escolheu, para designar aquele que delata um parceiro de crime, uma expressão que pode iludir: “colaborador premiado”.

Convenhamos: Ela passa uma ideia que pode ser enganosa.

A palavra “colaboração”, sinônimo de “ajuda”, “prestimosidade”, até de “solidariedade”, traz embutida uma aura de pureza, candura, sinceridade. Quem “colabora” com a Justiça parece ser um benfeitor!

Pior: a pessoa ainda será “premiada”. O gesto seria digno de compensação!

Assim, de tanto ouvir e repetir, um operador do direito poderá acabar por, talvez até inconscientemente, emprestar às declarações do delator uma credibilidade que nem sempre será justificável. Afinal, é um “colaborador” que merece até ser “premiado”.

Não é preciso atuar no mundo jurídico para concluir: nem sempre será o arrependimento, ou um sentimento de culpa, ou um desejo de expiação dos pecados, que moverá o “colaborador”. É muito comum alcaguetar terceiros apenas com o escopo – humano, claro! – de receber benesses processuais.

Não raramente, diante da possibilidade de passar menos dias no cárcere, um “colaborador” não se constrangerá em prejudicar terceiros, ainda que, para tanto, tenha que se desviar da verdade.

Não nos esqueçamos, cuida-se de um réu confesso. Alguém que já admitiu ter cometido crimes. Alguém que, diante de evidências, assumiu práticas delituosas. Alguém que, em regra, está preso. Será que agora iria se acanhar em mentir?

Como já dito, é humano, claro. Mas o conteúdo da delação não pode ser adotado cegamente. Não sempre será um exemplo de pureza!

É por isso que, agora sabiamente, o legislador tratou a “colaboração” como meio de prova. Instrumento para se alcançar outras provas. Uma via. Um caminho. Não a prova em si. É preciso que o delator apresente outras evidências a corroborar sua palavra.

O instituto, como vemos nos filmes, é muito comum nos Estados Unidos.

Há anos, eu fiquei chocado assistindo ao ótimo seriado “The Good Wife”. No episódio “Breaking Up”, o 11º da 2ª temporada, dois jovens apaixonados são suspeitos de latrocínio. Teriam matado um farmacêutico para conseguir medicamentos controlados.

As provas são inicialmente frágeis. O jovem promotor – desejoso de uma promoção – fez uma proposta indecente: o primeiro que falar quem foi o autor dos tiros e delatar o outro terá uma pena de 08 meses. Para o segundo, 25 anos.

Cada um contratou seu próprio advogado. No início, os profissionais até chegam a aconselhar o silêncio, enquanto o promotor tentar jogar os jovens, que estão em salas diferentes, um contra o outro.

Com o tempo, e o aparecimento de novas provas – como a arma do crime com digitais -, os próprios advogados passam a sugerir ao seu respectivo cliente que delate o outro, como maneira de obter uma pena bem menor! Não importava mais a verdade. Uma ideia bem impactante.

Entre nós, ainda não chegamos nesse estágio.

Mas, entendamos sempre: O “réu confesso” pode até estar falando a verdade, claro. Mas é preciso cautela.

Devagar com o andor. O santo pode ser de barro. Ou, para emendar outro dito popular, o santo pode ser do pau oco. Às vezes, ou se quebra facilmente, ou se presta a tarefas pouquíssimas nobres…

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Sérgio Alvarenga
19 de abril de 2024