Artigos & Publicações

Dicas para fazer um bom júri.

Eu atuo na Advocacia Mariz de Oliveira há 28 anos e, desde a faculdade, mais ainda quando ingressei no estágio, tive o privilégio de acompanhar diversos julgamentos realizados no Tribunal do Júri, especialmente aqueles onde participava o meu grande exemplo e fonte de inspiração na advocacia criminal, Dr. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, e sua inigualável oratória.

Mesmo jovem, o impacto daquela experiência foi imediato e despertou em mim a vocação não apenas em seguir na área penal, mas também trilhar o caminho do Plenário do Júri. Já então me imaginava envergando a beca, discursando aos jurados, travando os inevitáveis embates com o Promotor de Justiça e buscando fazer prevalecer a tese defensiva.

Com poucos anos de formado finalmente surgiu a oportunidade de abraçar uma causa e defendê-la em plenário, desafio este que aceitei sem pestanejar. Lá se vão mais de duas décadas, em torno de trinta julgamentos realizados como advogado constituído ou nomeado pelo Juízo, e minha paixão pelo Tribunal do Júri segue intacta.

Hoje me orgulho em ser escalado para atuar em todos os casos do escritório que vão a plenário.

Não nego que se trata de uma tarefa árdua, que requer estudo, preparação, dedicação absoluta e conhecimento não só jurídico, mas também de cultura geral, literatura, e de tudo mais que possa ser utilizado para enriquecer o discurso e fortalecer os argumentos.

Muitas vezes o julgamento se inicia dias antes, quando o advogado começa a ensaiar a fala a ser utilizada durante os debates, e não termina com o veredicto proferido ao final da sessão. Não raramente me surpreendo refazendo um Júri na imaginação, mesmo após certo tempo da sua realização, cogitando novos argumentos que poderiam ter sido utilizados, questionamentos que poderiam ter sido efetivados às testemunhas, elementos probatórios que poderiam ter sido buscados e explorados, dentre outras situações. Tudo isso independentemente do resultado ter sido favorável ou não ao meu cliente. E essa minha “mania” serve de auxílio para os futuros julgamentos.

Vou compartilhar então algumas dicas que podem auxiliar a ter um bom desempenho no Tribunal do Júri, especialmente para aqueles que desejam iniciar nessa apaixonante área de atuação.

1.    Procure começar aos poucos, atuando primeiramente ao lado de um colega mais experiente e servindo como seu auxiliar na localização e indicação de peças e documentos que venha a precisar durante o julgamento.

2.    Num segundo momento, ainda como advogado assistente, procure ser o responsável pelo questionamento de alguma testemunha e ter alguns minutos de fala durante os debates. Combine com o colega mais experiente uma questão específica que você possa abordar.

3.    Depois disso, quando vier a atuar como advogado principal, é preciso ter em mente que o estudo do caso precisa ser feito com alguma antecedência para que o conteúdo do conjunto probatório seja integralmente absorvido e, a partir daí, possam ser criados argumentos e questionamentos a serem utilizados durante os trabalhos em plenário.

4.    A integralidade do conteúdo dos autos precisa ser conhecida com riqueza de detalhes. O fator decisivo ao convencimento dos jurados pode estar tanto na conclusão dos laudos principais, como em uma nota de rodapé constante da página de algum apenso do processo.

5.    Ensaiar antecipadamente a fala a ser utilizada durante os debates e os questionamentos a serem feitos às testemunhas e às partes pode auxiliar. Mas também é preciso ter em mente que esse ensaio obrigatoriamente será alterado com o desenrolar dos trabalhos, onde temas de relevância certamente aparecerão e precisarão ser abordados. Discurso pronto e intacto não funciona no Júri.

6.    Procure elaborar um roteiro com todos os tópicos a serem suscitados durante a sua fala, bem como a ordem que pretende desenvolvê-los. No entanto, mais uma vez, esteja pronto para alterar esse roteiro de acordo com o andamento dos trabalhos.

7.    Uma lista com perguntas a serem feitas às testemunhas e às partes pode também ser feita. No entanto, novamente é necessário estar de prontidão para incluir novos questionamentos e excluir aqueles que se revelarem desnecessários, repetidos ou temerários, conforme os acontecimentos durante o júri.

8.    Procure conhecer a sala onde o julgamento será realizado antes do dia da sessão e, se possível, até assistir a outro júri no local. Isso lhe auxiliará na ambientação e ajudará na preparação, bem como indicará como o Juiz Presidente costuma conduzir os trabalhos.

9.    No dia da sessão de julgamento procure chegar com alguma antecedência para preparar o material a ser utilizado durante os trabalhos no local destinado à defesa, deixando-o bem separado e ordenado para que possam ser facilmente localizados quando for necessário.

10.Ao chegar cedo, também procure observar os jurados e verificar a reação de cada um ao aguardar o início do julgamento. Isso pode lhe dar a indicação daqueles que estão realmente dispostos a participar do conselho de sentença e daqueles que estão lá apenas por obrigação.

11.Pode acontecer de algum jurado, antes do início da sessão, solicitar informalmente ao defensor ou ao promotor, mediante uma escusa qualquer, a recusa em relação a sua indicação caso venha a ser sorteado. Se esse pedido lhe for dirigido infelizmente não há o que fazer, exceto acolhê-lo. Claramente este jurado não esta interessado em participar do julgamento e a insistência poderá provocar um sentimento de antipatia por parte dele, capaz de influenciar, ainda que involuntariamente, na sua convicção final.

12. Para escolha dos jurados as partes recebem apenas a indicação do seu nome e profissão. Ainda que essas informações sejam mínimas, preste atenção a elas. Somadas a observação prévia em relação ao comportamento dos jurados, elas podem auxiliar para uma boa escolha.

13. Mesmo com as dicas anteriores, a escolha dos jurados é uma atividade altamente intuitiva. Portanto, não tenha receio em fazer valer essa intuição.

14. Preste muita atenção no relatório que é oferecido aos jurados com o resumo do caso antes do início da sessão. Se lá perceber alguma colocação que possa influenciar na convicção deles proteste imediatamente e faça constar em ata a sua insurgência.

15. A inquirição das testemunhas favoráveis à acusação deve ser feita de forma firme e contundente, mas sempre respeitosa, especialmente quando se tratar da vítima ou de seus familiares. Procure fazer a inquirição em pé e olhando diretamente ao depoente.

16. Especialmente quando do depoimento da vítima ou de seus familiares, procure indagar apenas o que for estritamente necessário. Em regra, por conta do sofrimento vivenciado pelo evento, dificilmente será extraído dessas oitivas alguma coisa positiva para a defesa. E ainda, quanto mais questionar mais dará voz a essas pessoas e a chance de que os jurados com elas criem alguma empatia.

17. Cuidado ao explorar contradições entre depoimentos prestados durante o curso do processo. Por vezes você acaba dando chance da testemunha esclarecer a questão. Em muitos casos é melhor apontar a existência de contradições durante os debates, mostrando diretamente aos jurados onde elas ocorreram.

18. Se a prova colhida em plenário está caminhando num sentido favorável a sua tese, não tenha receio de desistir da oitiva de testemunhas arroladas. Além de encurtar a sessão, o que, em regra, agrada aos jurados, você não correrá o risco de sofrer com possíveis surpresas.

19. Apesar de ser um direito constitucionalmente assegurado, o silêncio do réu durante o interrogatório só deve ser utilizado em último caso. Em regra, os jurados querem ouvir a versão e justificativas que ele tem a apresentar, de modo que a falta delas, mesmo que indevidamente, pode influenciar na sua convicção final.

20. Se o réu demonstrar firmeza e convicção na sua versão, instrua-o a depor, sempre que possível, de frente para os jurados. Na sua vez de inquiri-lo, posicione-se em local onde ele possa responder aos questionamentos olhando diretamente ao conselho de sentença. O contato visual dos jurados com o réu no momento em que ele se pronuncia pode ajudar a convencê-los da veracidade da versão apresentada. O mesmo expediente pode ser empregado na inquirição de testemunhas que lhe são favoráveis.

21. Para os debates é fundamental uma boa oratória. Cursos específicos podem ajudar, mas não são indispensáveis. Treinamento e ensaio prévios são muito mais proveitosos. Pratique a sua fala em público explorando qualquer tópico, mesmo que não tenha relação nenhuma com a área jurídica, e mesmo que numa roda de amigos.

22.O discurso deve ser sempre dirigido aos jurados. Encare a cada um, procure os seus olhos. Isso mostrará que tem firmeza e convicção na versão que lhes está apresentando.

23.Especialmente se estiver na defesa, não perca muito tempo na saudação aos presentes. Mostre educação e respeito ao Magistrado e a parte contrária, mas não bajulação. Cumprimente e agradeça aos jurados pelos serviços prestados à Justiça e também realce a importância da função que estão desempenhando. Mas, novamente, não se alongue nessa parte. A fala do advogado vem depois que os jurados já ouviram o Promotor por cerca de 1 hora e meia, de modo que saudações e cumprimentos extensos tendem a cansar os jurados.

24. Durante o discurso, a mudança de entonação da voz, impondo contundência para destacar os principais argumentos favoráveis a sua versão dos fatos, é importante expediente para chamar a atenção dos jurados. Uma fala sempre no mesmo tom pode se tornar monótona e cansativa.

25. Apartes são comuns nos julgamentos, e é normal concedê-los. Mas nunca abuse dessa prática para não criar antipatia e ser o responsável pelo início de discussões.

26. Da mesma forma, se a parte contrária estiver abusando do expediente, com vistas a prejudicar o seu raciocínio, não permita mais apartes e deixe para que o Juiz decida a questão. Não deixe que sua fala se transforme num debate, prejudicando a exposição da sua versão a respeito dos fatos para os jurados.

27.Procure evitar que os apartes da parte contrária desencadeiem numa discussão. Mas se isso ocorrer peça para que o Magistrado  desconte o tempo e o acresça ao final.

28. Durante a sua fala é fundamental mostrar aos jurados laudos, depoimentos e provas que fortaleçam a sua versão. Não basta apenas indicar a pagina onde os mesmos se encontram, porque os jurados dificilmente irão atrás. Grife os trechos de testemunhos e as conclusões periciais mais relevantes. Se necessário utilize-se de recursos audiovisuais pedindo prévia autorização ao Juiz Presidente.

29. Preste atenção aos quesitos que serão indagados aos jurados ao final dos debates. Verifique se os questionamentos não estão sendo formulados de maneira tendenciosa, que possa influenciar na convicção dos julgadores ou induzi-los a erro, e ainda se estão seguindo os requisitos previstos no art. 483, do CPP. Qualquer problema relacionado aos quesitos deve ser registrado em ata para possibilitar questionamento posterior via recurso.

30. Guarde um tempo ao final da sua fala, em regra ao final da tréplica, para mostrar aos jurados a maneira como devem responder aos quesitos caso abracem a sua tese. Mesmo que a reforma processual de 2.008 tenha simplificado bastante as indagações a serem formuladas aos jurados, elas ainda podem ensejar alguma confusão para julgadores leigos.

Sem pretensão de esgotar o tema, essas são algumas dicas que podem auxiliar na atuação em plenário, mas nada supera a experiência e a tendência é evoluir e adquirir confiança a cada novo Júri que venha a participar. E ainda, sempre que puder, assista aos julgamentos, especialmente aqueles que envolverem advogados mais experientes e, se possível, procure conversar com o colega a respeito das suas impressões sobre o caso. Não há aprendizado melhor.

—–

Rodrigo S. de Mendonça
03 de maio de 2023