A ideia de que a pena, especialmente a de prisão, é o antídoto ideal para a delinquência é uma grande falácia.
Notícia de presente
A mim causa estranheza como a sociedade, por meio de suas cabeças pensantes, bem como das instituições públicas e privadas, não discute questões cruciais para a manutenção da harmonia e da paz sociais.
Dentre todas essas questões sobreleva-se a criminalidade, violenta ou não, atingindo todas as camadas sociais, em todos os cantos do País, e se apresentando na atualidade das mais variadas formas.
A punição como resposta utilizada em regra contra o crime não surte efeitos, pois ela é dada quando o delito já se consumou. Sendo ela, como já foi dito, posterior ao crime, nada é feito de efetivo para que ele seja evitado, pois as suas causas não são atacadas. O remédio da punição, por mais rigorosa que seja, é inócuo, uma vez que os efeitos da ação criminosa já foram produzidos.
A ideia disseminada de que a pena, especialmente a da prisão, é o antídoto ideal para a delinquência é uma grande falácia. Verdadeira cortina de fumaça que aplaca a consciência dos responsáveis e ilude os desprotegidos cidadãos.
A prisão não impede o crime já ocorrido nem inibe a sua prática futura. Há um dado que bem ilustra a inutilidade do cárcere como instrumento de tolhimento para novas condutas criminosas: aproximadamente 75% dos que estão encarcerados já estiveram presos. Foram presos, postos em liberdade, mas a cadeia não os intimidou, pois voltaram a delinquir e retornaram como hóspedes do degradante sistema carcerário.
Pois bem, um dos componentes desse panorama criminal é o tóxico, considerado um fator preponderante no aumento da criminalidade, em função do tráfico e dos crimes que o rodeiam.
Eu acrescento que ao lado do tráfico, o seu combate possui destaque significativo nesse cenário.
Ouso afirmar que o combate ao uso e ao tráfico dos entorpecentes, da forma e com os métodos utilizados, tem trazido danos e sofrimentos a milhares de pessoas que foram atingidas pelas consequências das ações repressivas, que não raras vezes são adotadas de maneira atabalhoada, sem critérios técnicos, obediência à lei e, especialmente, desprovidas de respeito pela vida alheia.
Quantas e quantas pessoas, incluindo crianças e idosos, não pereceram como alvo de balas perdidas acionadas sem nenhuma prudência? Ao despreparo de inúmeros policiais, somam-se o estímulo e a influência das vozes de comando de seus superiores e de governantes, voltadas para as ações que visam o “extermínio do tráfico”, que, ao contrário de sua extinção, o estimulam e produzem vítimas inocentes.
Deve-se salientar que as áreas em que as ações de policiais e de traficantes se desenvolvem são as de menor poder aquisitivo e de maior carência. Basta que se verifique as ocorrências nas favelas de São Paulo, nos morros do Rio de Janeiro e nas palafitas das cidades do Norte e do Nordeste do País.
Um grande rol de delitos, como tráfico de armas, homicídio, corrupção, corrupção de menores, furto, roubo, formação de quadrilhas e outros, é gerado pelo tráfico e pelo seu denominado combate.
Os Estados Unidos, durante o governo Nixon, deram início ao que ele mesmo denominou de “guerra” contra os entorpecentes. Houve uma extraordinária mobilização das Forças Armadas e policiais, da indústria bélica e de inúmeros outros setores, sem falar de intensa propaganda midiática.
Provavelmente uma bem articulada e direcionada campanha de esclarecimento dos malefícios do vício, tratando a questão como um problema de saúde, fosse de maior eficácia do que as ações bélicas de combate.
Um exemplo foi a campanha contra o tabaco. Permaneceu ela no campo da saúde e convenceu milhares e milhares de fumantes a deixarem o vício e, mais do que isso, criou em partes das novas gerações verdadeira aversão ao cigarro. Uma bem elaborada ação de esclarecimento bastou para dissuadir fumantes do mundo inteiro.
A campanha contra o tabagismo se deu no campo publicitário, midiático, com fundamentais incrementos dos setores da saúde e da própria sociedade. O comércio, por exemplo, passou primeiro a isolar os fumantes e depois a proibir tabaco em seus estabelecimentos. Não se recorreu ao Direito Penal. Fumar não é crime.
O Direito Penal é acionado quando outros ramos não se mostraram aptos a proteger algum bem ou valor relevante. No caso, nós estamos tratando da saúde daqueles que por livre opção provocaram um dano a si e só a si. O autor da lesão é a própria vítima. Caso haja lesão a terceiros essa conduta constitui delito autônomo.
Questão intrigante é saber qual a legitimidade do Estado para punir quem atenta contra a sua própria integridade física. A hipótese é semelhante à tentativa de suicídio ou de automutilação.
Note-se que o viciado e o traficante não se rendem à perspectiva da prisão, não se intimidam com as elevadas penas e com os conhecidos males do sistema carcerário. Persistem com a prática criminosa.
Bem, entendo ser a hora de analisarmos e discutirmos em profundidade e sem preconceitos a questão da criminalização do uso e da produção do tóxico.
A sociedade brasileira não pode continuar como espectadora inerte desse “combate” que a vitimiza, pois estimula outros crimes, como o homicídio, a corrupção, o tráfico de armas, sem nenhuma alteração nos índices de criminalidade. Vamos refletir.
Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
02/09/2025 | 03h00