Entrevista com o advogado criminal Sérgio Alvarenga

A entrevista a seguir foi feita com o advogado Sérgio Alvarenga antes do confinamento. Nossa intenção é que os leitores conheçam os profissionais que atuam na Advocacia Mariz de Oliveira, que, em home office, seguem com a mesma dedicação de sempre.

 

O que levou você a escolher a profissão de advogado?

A opção por estudar Direito surgiu por influência do meu pai e do meu irmão mais velho, que já eram profissionais da área. Confesso que eu não sabia muito bem qual profissão seguir e fui um pouco por inércia. Mas gostei demais da faculdade, do clima, das pessoas…

Foi uma mudança absurda na minha vida. Adorei a diversidade de pessoas, a liberdade e a autonomia que adquiri subitamente. Eu tinha apenas 17 anos e era totalmente dependente dos meus pais. Foi importante para o meu amadurecimento conviver com gente mais velha, gente já independente, responsável pelo seu sustento.

E eu, de verdade, gostava de assistir às aulas.

 

E quando você percebeu que tinha acertado na escolha?

Descobri advogando que era isso que queria fazer na vida. Hoje atuo com paixão, mas percebi isso trabalhando. Não tenho dúvidas de que é minha vocação.

Também por influência do meu pai e irmão, na faculdade eu tinha ideia inicial de prestar concurso público. Mas quando entrei na Advocacia Mariz de Oliveira, há 26 anos, fui apreciando cada vez mais o que fazia e posso dizer que me encontrei. Foi uma tremenda sorte ingressar no escritório com apenas um mês de formado.

O que eu tive certeza, ainda na faculdade, foi que queria seguir na área penal. Porque eu acho muito relevante o que um criminalista faz. Lutar pela liberdade, esse bem tão essencial para a vida das pessoas, é muito motivador. Sinto que eu, efetivamente, ajudo a decidir a vida de uma pessoa que entregou o seu destino para mim. Se eu for bem, eu posso contribuir para mudar o caminho de alguém. É decisivo. E me sinto feliz em saber que sou importante para alguém.

 

Você se lembra de sua primeira conquista? Ou seja, da primeira vez que percebeu essa importância na vida de alguém?

Eu era muito novo no escritório e pedi para cuidar de um caso. Fiz a defesa e a vitória foi rápida e surpreendente. Teve importância para mim porque foi o primeiro caso, aumentou minha confiança. Foi uma conquista especialmente marcante porque se tratava de uma defesa preliminar de um funcionário público, hipótese em que, dificilmente, um juiz já dá uma decisão favorável no início do processo.

 

Quais outros momentos importantes da sua carreira de 26 anos na Advocacia Mariz de Oliveira você pode citar?

Teve um caso emblemático em que advogávamos para um empresário e sua esposa. Aparentemente, a mulher não corria riscos processuais. Fui levá-la para ser interrogada e ela, uma senhora, foi presa em uma decisão repentina, arbitrária, no dia 23 de dezembro, na minha frente. Foi um dia muito tenso, perdi a razão, tão grande era a injustiça. Curiosamente, foi ela mesma quem me acalmou na hora. Eu estava no escritório há uns dois anos, apenas.

Ela foi solta apenas alguns meses depois, por meio de um habeas corpus. Ao final, foi absolvida e nem teve recurso do MP. Depois que ela saiu da prisão, ela passou um tempo visitando as mulheres que conheceu na prisão. Ela chegou a coordenar um grupo de mulheres presas que fazia bordados em tecido. É incrível como o ser humano é capaz de retirar forças de onde nem se imagina. Foi muito marcante pra mim. Uma grande experiência de vida.

 

Lembra de outras conquistas importantes?

Em primeiro lugar é preciso entender bem o que seja a vitória na Advocacia. Nem sempre é uma absolvição. Às vezes, conseguir que o acusado responda o processo em liberdade; ou que seja julgado pelo juiz competente; ou a exclusão de uma prova obtida ilicitamente; ou que não seja condenado a uma pena desproporcional; são todas importantes vitórias. Enfim, existe uma gama enorme de conquistas no curso de um processo. O correto cumprimento da lei é sempre uma forma de vitória.

Em todos esses anos, vivenciei incontáveis vitórias de destaque no escritório. Atuei em muitos casos com apelo midiático, em que o acusado já recebeu um pré-julgamento popular… Foi importante para aprender o valor da Advocacia, independentemente do réu. Trabalhei em casos realmente de destaque.

Ao mesmo tempo, e com o mesmo entusiasmo, atuei em inúmeros casos de pessoas anônimas. Pode não ter o destaque na imprensa, mas para a pessoa do acusado aquele caso é o mais importante do mundo. E o advogado tem que saber disso!

 

Ou seja, não existe caso pequeno ou simples em direito penal?

Repito que, para a pessoa do acusado, o caso dele é o mais importante de todos.

E no escritório, desde que seja na área penal, trabalhamos em todos os tipos de casos, grandes ou pequenos.

O processo é muito delicado, já é uma pena em si. Porque mesmo que a pessoa não venha a ser presa, pode sofrer implicações, como, por exemplo, perder a primariedade, confisco de bens. Sem contar o peso da consequência moral para uma pessoa de bem.

Percebemos atualmente que os casos mais complexos, com maior volume de trabalho, são aqueles que envolvem crimes ligados a uma atividade empresarial, mas não necessariamente de uma empresa grande. A legislação é a mesma para todo mundo: uma grande empreiteira e uma construtora que faz pequenas reformas, por exemplo, estão sujeitas às mesmas regras e, portanto, os mesmos riscos.

 

O que te frustra profissionalmente?

Acomodação de juiz. Juiz que não lê, não estuda. Juiz que faz prejulgamento. Juiz preocupado apenas em aumentar suas estatísticas.

O que tem muito hoje é a predisposição de achar que tem de prender e que todo mundo é culpado. Os colegas reclamam muito do Ministério Público, mas ele é parte interessada. Se o juiz for realmente independente trará o equilíbrio à balança.

O problema é que a relação entre Judiciário e Ministério Público está cada vez mais promíscua. Recentemente, vimos uma série de reportagens comprovando essa relação indevida envolvendo um famoso juiz, hoje ministro da Justiça, e procuradores da república. Ora, um juiz não pode agir assim com uma das partes!

Fico me perguntando: “Alguém aceitaria que um caso seu qualquer, uma simples ação de despejo, por exemplo, fosse julgada por um juiz que sugere estratégias à outra parte?”. Duvido!

Ficou escancarado tudo o que os advogados criminalistas sempre estiveram cansados de saber, mas nunca tiveram evidências materiais.

O que eu sinto hoje é que, infelizmente, não se presta mais concurso público apenas por vocação. Para alguns, virou emprego, busca de salário e aposentadoria. Em casos extremos, hoje tem virado até trampolim para carreiras políticas. A consequência é o mau exercício da profissão.

Precisamos de mais vocacionados!

 

O que mudou na advocacia desde que você se formou?

A natureza dos crimes, por exemplo, mudou muito. A federalização da justiça também mudou demais porque passou a existir mais crimes de competência da Justiça Federal.

Creio que a mudança se insere até em um movimento ideológico. Para tentar fugir do estigma de que apenas pobre vai para a cadeia, começou-se a criminalizar qualquer atuação empresarial. Fomos para o outro extremo, em que todo empresário é criminoso. E, lamentavelmente, não encontramos o desejável equilíbrio: O pobre continua indo pra cadeia e todo e qualquer empreendedor virou um suspeito em potencial.

Por outro lado, o combate à corrupção, que é absolutamente essencial e necessário à nossa sociedade, e que de fato era negligenciado, recentemente, porém, também foi para a ponta oposta. Virou desculpa para qualquer arbitrariedade. Ora, sem o limite da lei estaremos todos, todos, vulneráveis. Quando se abre a porteira para violar os direitos do culpado, o mesmo ocorrerá com o inocente.

A tecnologia também trouxe muitas mudanças nesse período. Processos digitais, audiências por videoconferência, por exemplo, são realidades às quais tivemos que nos adaptar.

 

Existem mais crimes hoje do que quando se formou.

Sim. As novas relações pessoais, negociais, levaram à criação de novos crimes. Lavagem de dinheiro, evasão de divisas, os crimes financeiros, concorrenciais, enfim, são relativamente novos. Sem falar dos crimes na internet…

Existe também uma consciência maior de repressão a práticas nocivas que, antigamente, passavam despercebidas. A maior proteção ao meio ambiente, por exemplo, é uma hipótese clara. Assim como o direto do consumidor.

 

Na sua opinião, qual sua contribuição na história da Advocacia Mariz de Oliveira?

Acho que minha maior parte é pensar a estratégia de defesa, o argumento. É o que eu adoro. Eu gosto de pegar o caso de começo e pensar o caminho que vamos seguir.

Tenho orgulho desses meus 26 anos.

 

Que recado daria para o Sérgio recém-formado?

Não perder tempo pensando em prestar concurso. Se eu não tivesse entrado na AMO com apenas um mês de formado, provavelmente eu teria estudado até passar em algum concurso e não investiria na carreira de advogado.

Como eu disse, foi um golpe de sorte. Não sei dizer como seria hoje. Mas, possivelmente, eu seria mais um não vocacionado em uma carreira pública. Creio que não seria tão realizado como sou hoje.

Mas agora é fácil falar, naquele tempo não tinha essa visão.

 

O que contribui para sua formação?

Leitura diversa. Ficção, romance, notícias, temas relacionados com a realidade humana.

Filmes, músicas, seriados, e tudo que não tenha a ver com o mundo jurídico. Cultura pop!

Sempre que possível coloco nas peças jurídicas trechos de música, livros… Isso não é comum, mas quando cabe, se vale a citação, eu faço, porque eu acho que leva para um outro enfoque da realidade.

Não tenho que dar uma aula jurídica, não sou professor e o juiz conhece o direito. Tenho que convencer uma única pessoa, o juiz. E acredito que uma abordagem mais leve, mais humana, pode eventualmente ajudar na compreensão.

O crime é um drama praticado por pessoas. É preciso despertar o juiz, lembrando-o que não julga documentos anexados em um processo.

 

O que é justiça pra você?

Justiça, para mim, tem que ser o cumprimento da lei. Parece óbvio, mas não é bem assim. Estamos assistindo muito juiz que discorda da lei e passa a julgar de acordo com sua opinião. Até o STF está dando esse mau exemplo.

Se cada um for dar sua opinião, viraremos uma “terra de ninguém”, com cada um tendo a sua própria justiça. Eu quero juízes que apliquem a lei, ainda que dela eu discorde.

Estamos mais seguros com juízes legalistas do que com juízes que queiram fazer a “sua justiça”. Porque esse último é um conceito volúvel, personalíssimo.

 

Hoje em dia os advogados viraram vidraça, são criticados. Como lida com isso?

Quando ouço algo que deturpa a profissão, eu tento convencer a pessoa de que ela está errada. Eu não fujo da discussão e sou insistente. Acho que até chato! Gosto desses embates. Penso ser uma grande oportunidade de explicar o que é, de fato, ser advogado.

 

Como você se enxerga daqui 20 anos ?

Enxergo-me trabalhando e com saúde. Avalio que minha carreira está começando agora! Porque é quando me sinto mais preparado. Enxergo-me no auge da maturidade profissional. E com a mesmíssima empolgação dos primeiros anos.

E sei que não vão faltar casos interessantes, jamais. Casos em que vou me sentir impelido a pensar em estratégias não vão faltar e é isso que me move.

Também tenho vontade de escrever mais, fora do mundo jurídico, sem pretensão profissional. Quem sabe um dia…