Por Fausto Macedo e Fernanda Yoneya
18 Fevereiro 2019 | 05h00
O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira disse neste sábado, 16, que não teme a quebra do sigilo bancário de seu escritório nem dele próprio. “Não temo de forma alguma”, declarou Mariz ao Estado.
A informação sobre o decreto judicial que abre o sigilo das contas da banca Mariz de Oliveira, uma das mais tradicionais do País, foi noticiada pelo jornal O Globo na sexta, 15.
A ordem partiu do juiz Vallisney de Oliveira, da 10.ª Vara Federal de Brasília, e atinge também 15 empresas.
Mariz disse que ainda não teve acesso à ordem judicial, mas acredita que ela ocorreu no âmbito de uma investigação sobre o ex-presidente Michel Temer, sob suspeita de tentar silenciar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e o corretor Lúcio Bolonha Funaro, que virou delator na Operação Sépsis – investigação sobre desvios e fraudes na Caixa.
Mariz defendeu ambos, Temer e Funaro. À defesa do ex-presidente ele renunciou no dia 29 de dezembro passado por “impedimento legal e ético”. Temer é alvo de três acusações formais da Procuradoria-Geral da República e de mais cinco inquéritos em curso na Polícia Federal.
O impedimento surgiu a partir do momento em que foram arroladas testemunhas de acusação contra Temer que o próprio Mariz já havia defendido em outras ações. Uma dessas testemunhas é o corretor Lúcio Bolonha Funaro, delator do ex-presidente.
Mariz defendeu Funaro até junho de 2016.
Ao renunciar à defesa dele, o criminalista decidiu devolver parte dos honorários recebidos. A devolução ocorreu, informa Mariz, em duas etapas, somando R$ 300 mil, via bancária.
Desde a publicação sobre a quebra do sigilo, Mariz, 73 anos, quase meio século de advocacia, não parou de receber manifestações de apoio de todo o País.
Uma grande corrente de advogados – penalistas, civilistas, constitucionalistas – lançou abaixo-assinado em que classifica a medida judicial como “uma das maiores afrontas ao direito de defesa experimentadas desde a redemocratização”.
Mais de mil advogados já firmaram adesão ao mais duro manifesto da classe nos últimos anos contra o cerco às suas prerrogativas.
ESTADÃO: O sr. teme a quebra do sigilo de seu escritório?
ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA: Quero realçar que não temo de forma alguma a abertura de dados bancários do escritório ou da minha pessoa física. O que me preocupa, no entanto, é a violação de uma prerrogativa profissional pela qual batalho arduamente há 50 anos. Eu soube da determinação por uma jornalista do O Globo na sexta-feira. Mas reitero que não tenho receio da medida.
ESTADÃO: O sr. ficou preocupado?
MARIZ: Não fiquei preocupado, mas estupefato, porque se trata de um escritório de advocacia com 13 advogados que têm resguardado, sempre pela lei, o seu sigilo telefônico, fiscal, bancário, como aliás todo e qualquer cidadão. Esta a razão pela qual causou-me e, principalmente à advocacia como um todo, profunda estranheza em face dessa violação.
ESTADÃO: A Advocacia em todo o País se rebelou contra a medida.
MARIZ: Recebi inúmeras manifestações de apoio e solidariedade, inclusive órgãos oficiais e entidades de classe todas já se pronunciaram. Eu espero esclarecer definitivamente o que ocorreu após tomar conhecimento do teor da decisão, assim como do pedido feito pelo Ministério Público Federal. Eu não conheço nenhum desses despachos, nem da Procuradoria nem do magistrado.
ESTADÃO: O sr. tem ideia da motivação desse decreto?
MARIZ: Tomei conhecimento que a quebra do sigilo foi decretada nos autos de uma ação penal que investiga, entre outras coisas, uma eventual tentativa do presidente Temer de silenciar dois réus. O que posso dizer a respeito é que fui advogado do presidente da República desde abril ou maio de 2017 e hoje não sou mais. Uma das razões da minha renúncia à defesa do presidente é que advoguei também para o sr. Lúcio Funaro, que passou a ser um acusador do presidente.
ESTADÃO: Em que período o sr. advogou para Funaro?
MARIZ: Trabalhei para o sr. Funaro até junho de 2016 e, por razões de discordâncias no que tange à orientação da defesa, saí do caso. Devolvi, então, parte dos honorários que eu recebera.
ESTADÃO: Como foi essa devolução?
MARIZ: Via bancária, naturalmente. Está tudo documentado, com recibos. Devolvi primeiro para um irmão dele que, posteriormente, indicou-me uma outra conta, do próprio sr. Funaro. Ao todo devolvi R$ 300 mil, parte dos honorários que havia recebido, em duas parcelas. A devolução se completou em outubro de 2016. O sr. Funaro estava preso. Quem cuidava disso era o irmão dele, Dante. Talvez tenham entendido que eu dei um dinheiro para o sr. Funaro. Mas foi a devolução de parte dos honorários. Eu tenho os e-mails em que tratamos disso. Existem e-mails dessas tratativas.
ESTADÃO: O que o sr. vai fazer agora?
MARIZ: Na segunda-feira (hoje), dois advogados do meu escritório irão a Brasília e, com meu correspondente na capital, vão falar com o juiz. Estou muito perplexo, mas sempre à disposição da Justiça.