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Inovação Tecnológica e Advocacia Criminal: o ChatGPT pode ser utilizado para defender um acusado?

O ChatGPT é um assunto muito discutido atualmente. É inegável o seu potencial de surpreender as pessoas com as suas respostas, na maioria das vezes, precisas e detalhadas. Funciona como se você tivesse à sua disposição uma pessoa com conhecimento profundo sobre uma ampla gama de assuntos. Basta fazer uma pergunta de forma clara e, em questão de segundos, você receberá uma resposta fundamentada.

No entanto, é importante ter cautela ao utilizar a ferramenta. É necessário conhecer suas limitações e verificar a veracidade das informações obtidas. Ainda que parcela da população tema perder seus empregos para a inteligência artificial (LEIA AQUI), fato é que a ferramenta ainda tem muito o que aprender.

Neste texto, abordaremos a utilização do ChatGPT na área jurídica e avaliaremos se ele poderá ser útil para os advogados que trabalham na área criminal.

Por ser capaz de processar enormes quantidades de dados em segundos, o ChatGPT poderia, talvez, ser utilizado pelo poder público a fim de agilizar procedimentos meramente burocráticos com a intenção de melhorar a eficiência do sistema judiciário. A alta demanda de litígios e a falta de estrutura dos órgãos públicos acarretam uma demora significativa no andamento dos processos. Portanto, se essa ferramenta inovadora for apta a aumentar a celeridade dos trâmites, ela com certeza será muito bem-vinda à esfera jurídica.

Ainda que este não seja o tema desta reflexão, aqui cabe um parêntese. Inúmeros processos criminais são atingidos pelo instituto da prescrição da pretensão punitiva não pela quantidade de recursos previstos em lei e tampouco por artifícios protelatórios utilizados pelos advogados – o que a maioria das pessoas acredita veementemente -, mas isso ocorre por ineficácia da máquina estatal. Não é difícil encontrar, por exemplo, processos que estão há anos conclusos para sentença. Esse, no entanto, é assunto para uma próxima análise…

Voltando. Certamente o ChatGPT poderá ser útil para questões meramente administrativas, mas, ainda assim, essa questão deverá ser muito bem avaliada pelos analistas de segurança da informação que prestam serviço para as entidades governamentais. Trata-se de uma ferramenta que veio ao conhecimento do público recentemente. É preciso, repita-se, ter prudência ao inserir informações sigilosas na ferramenta, pois a ideia é que ela retenha todas as informações recebidas para, posteriormente, dar respostas mais completas – nós somos, na verdade, os responsáveis em ensiná-la, e não o contrário.

Mas, afinal, e os advogados, poderão usufruir dessa inovação tecnológica para defender os seus clientes? Claro que, conforme dito acima, para questões mais burocráticas a ferramenta poderá, sim, ser eventualmente utilizada, todavia – pedindo escusas pela insistência – é preciso ter muita precaução, sobretudo na seara penal, na qual, normalmente, o jurisdicionado possui o risco de ter a sua liberdade cerceada.

Fizemos um teste. Formulamos uma pergunta técnica feita ao ChatGPT (ferramenta desenvolvida pela empresa openai). Em menos de 15 segundos foi ofertada a resposta:

 

PERGUNTA: Na qualidade de advogado explique a diferença que há entre os crimes previstos no artigo 1º e no artigo 2º da lei nº 8.137/90. Deve conter na explicação a classificação de cada crime.

RESPOSTA: A lei nº 8.137/90 trata dos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores.

O artigo 1º prevê o crime de lavagem de dinheiro, ou seja, o ato de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Este crime é classificado como crime de mão própria, já que depende da prática de outro delito anterior.

Já o artigo 2º prevê o crime de ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores. Neste caso, o crime é cometido independentemente da existência de outro delito anterior, bastando a ocultação ou dissimulação dos bens, direitos ou valores. Este crime é classificado como crime de perigo abstrato, já que não depende da efetiva prática de outro delito.”

 

Mesmo sendo meramente técnica e nem sequer possuir informações particulares de um caso concreto, a pergunta foi respondida de forma totalmente equivocada. A Lei nº 8.137/90, a fim de explicar o erro da resposta aos leitores que não são da área jurídica, é referente aos crimes de natureza tributária, em essência, sonegação de tributo; a ferramenta, no entanto, respondeu a indagação afirmando que se trata de uma lei sobre lavagem de dinheiro (a qual possui previsão em outro diploma legal), e pior, mediante de uma explicação juridicamente falha.

Mas há um ponto positivo. “Corrigimos” o ChatGPT. Ele agradeceu e “aprendeu”, ainda que superficialmente, o correto:

 

Desculpe, você está correto. A lei nº 8.137/90 trata dos crimes tributários, e não de lavagem de dinheiro. O artigo 1º prevê o crime material e o artigo 2º prevê o crime formal. Agradeço a correção e me desculpo pelo erro anterior.”

 

A ideia, como já adiantado, é que a ferramenta aprenda conforme vai recebendo mais informações a fim de evitar respostas erradas, mas o campo jurídico é muito vasto e repleto de minúcias legais capazes de alterar totalmente o contexto fático-processual.

A pergunta feita acima poderia ser respondida por uma pessoa por simples leitura do texto da lei. Agora, imaginemos situações em que para bem representar o cliente é necessário analisar todos os elementos fáticos que deram ensejo ao processo criminal e, além de consultar o direito positivo, deve-se buscar lições doutrinárias e conteúdo jurídico que estão apenas na jurisprudência. Isso, por óbvio, só pode ser feito artesanalmente por um advogado.

E não é só! Ainda que futuramente a inteligência artificial seja capaz de dar respostas juridicamente corretas, tem algo que ela jamais terá.

 

Aquele que tem uma profissão tem um bem; aquele que tem uma vocação tem um cargo de proveito e honra.” (Benjamin Franklin)

 

Que é a vocação! Esse é o elemento primordial para que o profissional tenha êxito na sua missão ao representar um cliente que está sentado no banco dos réus. Em nenhuma outra área o olho no olho, o acolhimento humanizado, bem como a vocação do profissional em combater injustiças e arbitrariedades estatais são tão importantes quanto na área criminal. Trata-se de um trabalho meticuloso, no qual nada pode passar despercebido, sob pena de consequências ferrenhas ao representado.

Reproduzimos por fim, ainda que não exatamente com as mesmas palavras, uma fala do Dr. Mariz, que há anos lidera esta banca de advogados: “parece que ninguém lê mais o que está nos autos, tenho a impressão de que alguns processos tramitam a toque de caixa”. Mensagem esta que fica para a reflexão de todos. Tomara que essa ferramenta inovadora seja utilizada de forma producente e em prol da coletividade, e não para imputar responsabilidade criminal a alguém “a toque de caixa”.

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Gustavo Gasparoto
16 de fevereiro de 2023