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Mais importante do que a punição é buscar evitar o crime

A manchete do portal era: Daniel Alves pode deixar a prisão em menos de dois anos. Uma ira velada. Mas muito clara.

A informação parece ser correta. Deve ser. Mas enviesa o debate. Empurra a discussão para a pena. Para o processo. Para as consequências. Para o depois. Quase se esquece da tragédia.

Colunistas esportivos, juristas diletantes, avaliaram que a punição teria sido branda. Foi? Não me atrevo a opinar. Ninguém leu o processo. Parece ser um preciosismo inconveniente. Mas todos têm convicção firme.

O foco é apenas o estuprador. Se não fosse um conhecido jogador de futebol, nem seria assunto. Como não é assunto a gigantesca maioria dos casos de estupro que acontecem todo dia.

O.k., o caso tem o fator pedagógico de despertar a questão. Mas, amanhã… Amanhã vai ser outro dia. Outro dia com incontáveis estupros. Cometidos por anônimos. Não anônimos para as vítimas, claro. Mas ignorados por todos nós. Despertamos, mesmo?

Não conheço a lei espanhola. Não tenho por que achar que a pena foi injusta. Não tenho por que achar que a condenação foi frouxa. Não tenho a mínima razão para pensar que o ex-jogador foi “beneficiado”.

“Pena diminuída porque pagou multa” seria uma aberração, eu li. Perguntando o óbvio: Está na lei? Cumpra-se, então, ué! E, se for o caso e a vontade da população, manifestada por meio de seus representantes eleitos, que se mude a lei! Mas, enquanto não mudar, que seja ela obedecida.

Repito que não conheço a lei espanhola. Mas confio em que a decisão não teria inventado essa atenuante. Tenho, sim, a convicção de que a lei é a nossa única proteção contra a força do Estado. Essa eu tenho!

Todos os que acham a pena do estuprador pequena vão querer o máximo cumprimento da regra legal num caso qualquer que envolva parentes, amigos. Ou nós mesmos. Ninguém está livre de ser alvo da força do Estado. Essa é uma constatação que faço com muita base empírica.

Considerar a pena condescendente é um direito, claro. Abdicar do Estado de Direito é uma tolice, porém.

Eu tenho certeza de que, no caso concreto, uma pena perpétua, por exemplo, não diminuiria a dor da vítima. “Ah, serviria de exemplo para outros.” Também não tenho essa inocência.

Achar que o tamanho da pena é solução preventiva é desdenhar da realidade. É dar de ombros para a quantidade de condenações proferidas diariamente, enquanto o crime não diminui.

Insistindo no óbvio, às vezes esquecido: a pena não tem o poder de reescrever a história. Mais importante do que a punição – sim, respeitadas as leis, ela é necessária – é buscar evitar o crime.

Incomodo-me: por qual misteriosa razão um homem rico e bem-sucedido se sente no direito de violentar uma mulher para satisfazer seus desejos? Sim, o sujeito acha que é um direito! Quase um prêmio para a mulher. Eu não sei responder. Mas gostaria de conversar mais sobre isso. Muito mais do que bradar que o desfecho do caso foi fracote, creio que esse é um tema prioritário.

Também, claro, não tenho a ilusão de que eliminaremos dramas como o sofrido pela vítima do atleta apenas com diálogos. Mas, otimistamente, enxergo uma geração mais consciente.

E, enquanto isso, para os criminosos, a lei. E só ela. Essa é a única garantia dos inocentes.

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Sérgio Alvarenga
28 de fevereiro de 2024

O Estado de São Paulo