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O conto “The Minority Report” foi escrito por Philip K. Dick no ano de 1956. Bem mais recente, de 2002, é o filme nele inspirado, “Minority Report – A Nova Lei”, dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise. É um prazeroso entretenimento.

Aliás, quem gosta de filmes de ficção científica, pode não saber, mas já viu diversas adaptações da obra de Philip K. Dick: “Blade Runner – O Caçador de Androides”, “O Vingador do Futuro”, “O Pagamento”, “Agentes do Destino”, entre outros.

Philip K. Dick nunca assistiu a essas adaptações. Curiosamente, morreu três meses antes do lançamento de “Blade Runner”, o primeiro dos filmes baseados em sua obra.

Na coletânea “Realidades Adaptadas” (Editora Aleph) acham-se sete de seus contos, todos transportados para o cinema.

Pois bem. Quem assistiu ao filme vai se lembrar da ideia essencial de “The Minority Report”. Embora filme e conto inspirador tenham desenvolvimentos e finais completamente distintos, o argumento central é o mesmo.

Num futuro incerto, John Anderton é o policial chefe da unidade chamada de “Divisão Pré- Crime”. Três mutantes precognitivos, que vivem em estado vegetativo, fazem profecias de futuros crimes. Um complexo sistema de computador codifica as previsões e divulga um relatório à polícia com os dados do crime, incluindo o nome do futuro criminoso e da vítima. A prisão é feita antes do delito ser cometido.

Ao explicar o sistema ao seu sucessor na chefia da divisão, o policial Witwer, recém-chegado ao departamento, Anderton assegura que o Pré-Crime reduziu em 99,8 por cento os crimes graves e que o último assassinato foi cometido há 05 anos. Um sucesso, portanto!

O problema surge quando o novo relatório emitido pelo sistema anuncia que o próprio Anderton cometerá um homicídio na semana seguinte.

A partir de então, o conto narra os esforços de Anderton – que nem sequer conhecia a vítima do homicídio adivinhado – para provar a falha no sistema que ele criou e sempre administrou, o que colocaria em cheque todas as prisões feitas até então. Talvez, a explicação estivesse na previsão dissonante de um dos três videntes, que deu origem a um “relatório minoritário” – daí o nome do conto.

Cuida-se de uma trama extremamente criativa e original!

Especialmente interessante – e embaraçoso! – é o diálogo mantido entre Anderton e o sucessor Witwer, na apresentação do departamento:

“ – Já está familiarizado com a teoria do pré-crime, é claro. Suponho que seja ponto pacífico.

– Tenho as informações disponíveis ao público – respondeu – Com o auxílio de seus mutantes precognitivos, você aboliu com ousadia e êxito o sistema punitivo pós- crime, baseado em presídios e penalidades. Como todos sabemos, a punição nunca foi muito dissuasiva, e servia de pouco consolo a uma vítima já morta.

– Você deve ter notado o inconveniente legal básico da metodologia do pré-crime. Estamos prendendo indivíduos que não infringiram lei

– Mas com certeza vão infringir – Witwer afirmou com convicção.

– Felizmente não infringem… porque os capturamos primeiro, antes que possam cometer um ato de violência. Portanto, a execução do crime em si é absolutamente metafísica. Afirmamos que são condenáveis. Eles, por outro lado, afirmam eternamente que são E, em certo sentido, são inocentes. Em nossa sociedade, não temos qualquer crime grave – prosseguiu Anderton –, mas temos, sim, um campo de detenção cheio de supostos criminosos.”

No mundo real, é inimaginável um sistema baseado em previsões futuristas de mutantes. Ademais, no nosso ordenamento jurídico, a cogitação de uma futura prática criminosa não é punível. Nem sequer atos preparatórios, se por si não configuram um crime independente, o são. O Direito Penal só intervém após iniciada a execução criminosa.

De qualquer forma, nos dias atuais, não raro nos deparamos com decisões condenatórias fundadas não em provas dos autos, mas apenas nas percepções sensoriais do julgador, por mais que os acusados afirmem eternamente que são inocentes

Por Sérgio Alvarenga
Advogado criminalista

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