Tranny – Confissões da anarquista mais infame e vendida do punk rock

Laura Jane Grace e Dan Ozzy
Powerline Music and Books. São Paulo, 2.018.

Nenhum estilo de música é tão libertário quanto o punk rock, pelo menos na minha concepção. Pulsante, enérgico, divertido, engajado, repleto de atitude, tudo junto e misturado, numa combinação que parece complexa, mas, sabe-se lá como, consegue ser extravasada em pouquíssimos acordes de uma guitarra. Basta plugá-la no volume máximo do amplificador.

Johnny Ramone, dos Ramones, uma das bandas precursoras do estilo, aparece no topo de todas as listas especializadas já divulgadas sobre os maiores guitarristas da história da música em geral, e do rock em particular, ao lado de nomes como Jimmy Hendrix, Eric Clapton, B. B. King, Jimmy Page e outros monstros sagrados. Mas se procurarem na música dos Ramones algum solo mais elaborado do instrumento, certamente não o encontrarão. Johnny nunca os fez, e, provavelmente, nunca foi capaz de fazê-los até a morte precoce em 2.004. Sua genialidade musical, imortalizada no Rock and Roll Hall of Fame, e no coração de seus fãs, advém da simplicidade, da energia contagiante e do ritmo frenético que conseguiu imprimir nas composições, feitas em conjunto com o parceiro de banda Joey, utilizando-se quase sempre de apenas 3 acordes, algo que qualquer guitarrista iniciante consegue reproduzir, mas nenhum, nem mesmo os mais técnicos, foram capazes de criar. Ramones é a expressão máxima do punk rock.

Influenciado pelos Ramones, e por toda a geração punk que eles ajudaram a moldar desde o final dos anos 70, passando do Sex Pistols até o Green Day, Thomas Gabel iniciou sua banda no início dos anos 2000, na cidade de Naples, na Flórida. Como adolescente revoltado, filho de militar, Thomas buscou no punk rock, e na máxima “faça você mesmo”, tão característica do estilo, a forma de expressar a sua arte. Para tanto se reunia num porão com amigos que procuravam tocar de forma simples, baseados nos 3 acordes, mas com o máximo de barulho possível. Nascia o Against Me!

Em “Tranny”, no entanto, a trajetória da banda, de relativo sucesso, mas que nunca atingiu o chamado “mainstream” da música, serve apenas de pano de fundo para a impressionante história de Thomas Gabel, ou, na verdade, Laura Jane Grace.

De forma honesta e transparente, em tom confessional que inclui trechos de anotações pessoais do seu diário, Laura conta como Thomas viveu intensamente a vida rock and roll, incluindo o sexo e drogas, e, através dela, conheceu o mundo. Mas, mesmo realizando o sonho de 10 entre 10 roqueiros, nunca foi capaz de se satisfazer pessoalmente por ter disforia de gênero. A vontade reprimida de ser mulher, se vestir como mulher, se sentir mulher, o atormentou por três décadas. Nem um casamento feliz e o nascimento da filha trouxeram conforto em relação ao sexo de nascimento.

Convencido da sua transexualidade, a qual foi anunciada de antemão apenas a pessoas muito próximas, resolveu revelar a sua vontade de viver como mulher, não mais como Thomas, mas agora como Laura, aos quatro cantos do mundo em entrevista dada à Revista Rolling Stone em maio de 2012.

A revelação, que aparentava ser uma libertação em termos pessoais, trouxe uma séria de consequências inesperadas para a própria Laura, e para pessoas próximas, incluindo família, amigos, companheiros de banda e fãs, que ela precisou apreender a lidar para se encontrar, seja como mulher, seja como membro de uma conceituada banda de punk rock.

O lançamento do livro no Brasil, há dois anos atrás, foi feito com a presença da própria Laura em uma concorridíssima sessão de autógrafo que lotou o Cento Cultural São Paulo. Na mesma época, o Against Me! fez suas primeiras apresentações no país, todas lotadas, mesmo não tendo nenhuma música tocada em rádios, nem naquelas especializadas em rock.

Isso tudo mostra o quanto a história da vida de Laura é inspiradora.

“Tranny” não é um livro apenas voltado para fãs de punk rock, ou interessados por identidade de gêneros. É uma ode à liberdade. Liberdade existencial para viver de forma plena a vida, da maneira como se sentir melhor, ainda que essa descoberta venha de forma tardia. Afinal, por mais complicado que isso possa parecer, é possível resumir tudo em 3 acordes.

Por Rodrigo Mendonça
Advogado criminalista

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