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Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Mais um amigo se foi. Pois é, as perdas acumuladas representam o grande sofrimento imposto pelo avanço da idade. Engana-se quem atribui às limitações físicas, às restrições sociais, aos abalos psicológicos os maiores ônus do envelhecimento.

Não. Nada disso. Todos esses percalços são suportáveis. Perder um companheiro querido, isso sim, é o “X do Problema”, para plagiar Noel Rosa.

Como superar a perda. Não sei e duvido que alguém saiba. Toca-se a vida. Mas ela passa a ser vida capenga, manca, desfalcada. E, quanto mais se envelhece, mais se sente o desfalque.

Carlos Drummond de Andrade disse estar andando de banda, por causa do vazio do seu lado esquerdo. É o meu caso.

O vírus atingiu José Mentor. Ele não resistiu à “gripezinha”. Outros que fariam menos falta do que ele estão resistindo e zombando. Macabra e funesta zombaria. Aliás, aquele que zomba, zomba do próprio povo brasileiro, vítima da cruel pandemia. Que Deus lhe poupe da perde de um ente querido.

Eu tive uma perda: José Mentor, amigo e companheiro. Cinquenta anos de convivência. Ele com quinze anos e nós, colegas da sua irmã Angélica de Almeida, da Turma de 1969 da Faculdade Paulista de Direito da PUC, com dezenove, em média. Ele acompanhava a irmã em nossas festas de calouros.

Anos depois entrou na Faculdade. Teve intensa vida acadêmica, especialmente nas atividades políticas. Engajou-se no combate à ditadura militar. Esteve preso no Presídio Tiradentes.

Sua opção pela luta em prol da liberdade, da democracia e dos direitos humanos manifestou-se desde sempre. Talvez desde o berço.

Ingressou na política partidária e também passou a advogar. Corajoso, inquieto, inconformado com injustiças, reunia, pois, as características comuns ao político destemido e ao advogado verdadeiramente vocacionado. Defendeu no Parlamento causas em prol da coletividade e em sua banca postulou pelo primado da lei e da justiça.

Durante anos amargou acusações que se mostraram infundadas. O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal lhe fizeram justiça. Proclamaram-no inocente.

Eu o acompanhei em todas as etapas do seu calvário. Sofremos juntos. Compartilhamos as dúvidas, as angustias, as incertezas, que se avolumam em épocas de insegurança jurídica.

Eu sabia dos enganos e distorções das acusações. Mas será que os julgadores sabiam? Souberam e, repito, fizeram justiça.

Mas não apagaram as marcas dos açoites, representados pela exposição midiática, pelos comentários levianos e desarrazoados. Sofreu, sofremos juntos.

Superou galhardamente a injusta situação.

É, Zé Mentor, você se foi. Nós ficamos, mas na verdade você está conosco. Como disse Fernando Pessoa: a morte é como a curva da estrada, só não se é mais visto. Permanece a sua presença, mesmo com a sua ausência.

Você continua ao lado de suas filhas e filho, seus netos, sua irmã e seus irmãos e todos os seus amigos e amigas.

Mentor, aos domingos, doravante e como sempre foi, estarei sentado no banquinho em frente ao seu, no bar de casa, brindando à vida que juntos compartilhamos.